No último dia 30 de abril de 2023, o Presidente da República assinou a Medida Provisória n. 1.171/2023, cujo objeto é, entre outros assuntos, a incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF sobre capitais investidos no exterior por residentes no Brasil. Caso convertida tempestivamente em Lei, as normas nela contidas afetarão a tributação de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts localizadas fora do país.

Concentrar-nos-emos, neste texto, na tributação dos lucros das entidades controladas, em relação às quais pode-se dizer que o objetivo do governo federal é limitar diferimento proporcionado pelo regime atualmente vigente, como forma de gerar receitas que compensem a perda de arrecadação decorrente da correção da tabela do IRPF promovida pela própria Medida Provisória n. 1.171/2023.

Se por um lado a limitação do diferimento é naturalmente má notícia para as pessoas físicas residentes no Brasil controladoras de entidades localizadas no exterior, por outro a Medida Provisória n. 1.171/2023 veicula normas que (i) reduzem a carga tributária que grava os lucros apurados e distribuídos por tais estruturas, (ii) equalizam questões que tornariam as suas tributações abusiva e ilegal e (iii) permitem a atualização dos respectivos custos de aquisição do investimento tal como registrados na Declaração de Ajuste Anual – DAA antes de as controladas passarem a ser tributadas nos termos da Medida Provisória, abrindo espaço para iniciativas de planejamento tributário.

Ao final, esperamos informar os titulares de controladas no exterior do que muda a partir da conversão da Medida Provisória n. 1.171/2023 em Lei, bem como das oportunidades por ela veiculadas para mitigar – ou até mesmo evitar – a aplicação das novas normas de incidência do IRPF.

Regime de tributação atual

 

Atualmente, quando uma pessoa física residente no Brasil recebe, no país ou no exterior, dividendos distribuídos por pessoa jurídica estrangeira na qual detenha participação societária, está ela obrigada ao pagamento do IRPF sob a forma de recolhimento mensal (carnê-leão) no próprio mês do recebimento, devendo declarar tal rendimento também na DAA. O valor devido é calculado com base na tabela progressiva do tributo em tela, cuja alíquota máxima é de 27,5%.

Ou seja, pelo fato de a tributação ocorrer apenas quando da efetiva distribuição dos dividendos, é possível, no contexto de uma controlada localizada no exterior, que a pessoa física residente no Brasil (controladora) decida manter os lucros na investida sem distribuição por longo espaço de tempo, de tal forma a diferir a tributação pelo IRPF.

Novo regime de tributação, caso a Medida Provisória n. 1.171/2023 seja tempestivamente convertida em Lei

Como dito anteriormente, o objetivo da Medida Provisória n. 1.171/2023 é justamente acabar com a estratégia de diferimento permitida pelo regime atual.

Por isso, determina que os lucros apurados a partir de janeiro de 2024 por pessoas jurídicas localizadas no exterior e no contexto de uma situação de controle (detenção, direta ou indireta, da maior parte do capital social, de preponderância nas deliberações sociais e de poder de eleger e destituir a maioria dos administradores) deverão ser oferecidos pelas pessoas físicas controladoras residentes no Brasil tão logo findos cada um dos subsequentes exercícios financeiros, ou seja, quando apurados e não mais quando distribuídos, caso configuradas ao menos uma das seguintes hipóteses:

Controlada localizada em paraíso fiscal ou beneficiária de regime fiscal privilegiado;
Renda ativa, ou seja, decorrente de atividade econômica própria, inferior a 80% da renda total.

Por outro lado, permanecem sendo tributados no momento da distribuição os lucros:

Apurados nos exercícios financeiros anteriores a 2023 (inclusive);
Apurados a partir de janeiro de 2024 e distribuídos por sociedade estrangeira a pessoa física não controladora residente no Brasil;
Apurados a partir de janeiro de 2024 e distribuídos por sociedade estrangeira que, apesar de controlada por pessoa física residente no Brasil, não esteja localizada em paraíso fiscal ou seja beneficiária de regime fiscal privilegiado e, ao mesmo tempo, tenha renda ativa superior a 80% de sua renda total.

Redução de carga tributária, caso a Medida Provisória n. 1.171/2023 seja tempestivamente convertida em Lei

Seja nos casos de tributação dos lucros assim que apurados, seja nas hipóteses em que a tributação ocorra apenas quando da efetiva distribuição, a Medida Provisória n. 1.171/2023 determina o cálculo do IRPF devido com base em nova tabela de alíquotas progressivas, sendo a alíquota máxima de 22,5%.

Desta forma, – mesmo para os lucros já apurados nos exercícios financeiros anteriores a 2023 (inclusive) – haverá a partir da conversão da Medida Provisória n. 1.171/2023 em Lei tributação à alíquota máxima de 22.5%, ou seja, redução da alíquota máxima incidente em comparação com a anteriormente aplicável de 27,5%.

Equalização de questões que tornariam a tributação dos lucros de controladas abusiva e ilegal

 

A Medida Provisória n. 1.171/2023 andou bem ao estabelecer mecanismos para evitar situações de tributação abusiva e ilegal, nomeadamente potenciais casos de dupla tributação ou de tributação em hipóteses em que não há configuração de acréscimo patrimonial.

O primeiro deles refere-se ao mecanismo de ajuste do custo de aquisição do investimento na DAA do contribuinte para evitar que o lucro submetido à tributação no regime da Medida Provisória n. 1.171/2023 (quando de sua apuração) seja novamente tributado quando de sua distribuição.

O segundo permite deduzir do lucro tributável no Brasil prejuízos apurados posteriormente à sujeição da controlada localizada no exterior ao regime da Medida Provisória n. 1.171/2023.

O terceiro, por sua vez, evita fenômeno conhecido como “tributação sanduiche” ao permitir que o contribuinte (pessoa física controladora localizada no Brasil) deduza do lucro da controlada localizada no exterior tributado pelo IRPF nos termos do novo regime da Medida Provisória n. 1.171/2023 a parcela correspondente a lucros e dividendos de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil que são investidas da própria controlada localizada no exterior.

O último permite a dedução do imposto de renda pago pela pessoa jurídica controlada localizada no exterior do IRPF devido no Brasil.

Atualização do custo de aquisição do investimento na DAA – possibilidade de planejamento tributário e, em alguns casos, verdadeira válvula de escape ao regime da Medida Provisória n. 1.171/2023, caso tempestivamente convertida em Lei

A Medida Provisória n. 1.171/2023 permite à pessoa física residente no Brasil a atualização, em sua DAA, pelo valor do patrimônio líquido e proporcionalmente à participação no capital social, do custo de aquisição do investimento na controlada localizada no exterior, tributando o valor de tal atualização pela alíquota definitiva de 10%.

Tal atualização pode ser feita em 2023 em relação a 31 de dezembro de 2022 e, posteriormente, para aqueles que fizeram tal atualização e recolheram o respectivo IRPF, em 2024 no que se refere ao incremento do patrimônio líquido ocorrido durante o exercício financeiro de 2023.

Na prática, esta possibilidade de atualização do custo de aquisição do investimento dá ensejo a dois movimentos potencialmente favoráveis aos contribuintes.

O primeiro refere-se à antecipação da tributação de lucros anteriores a 2023 (inclusive) pela alíquota definitiva de 10%, evitando-se, assim, que sejam tributados à alíquota de 22,5% quando e se futuramente distribuídos a título de dividendos.

O segundo configura-se em verdadeira válvula de escape para aqueles que se sentem desconfortáveis com o novo regime de tributação veiculado pela Medida Provisória n. 1.171/2023, pois tal atualização do custo de aquisição do investimento, tributada pelo IRPF pela alíquota definitiva de apenas 10%, pode viabilizar a liquidação da controlada localizada no exterior sem tributação de ganho de capital, com subsequente reinvestimento em estrutura não alcançada pela nova legislação ou nova destinação.

Em não sendo utilizada esta oportunidade, a liquidação futura da controlada localizada no exterior representará tributação de ganho de capital de 22,5% (maior alíquota aplicável de tabela progressiva), consideravelmente maior.

Ou seja, se por um lado a Medida Provisória n. 1.171/2023 antecipa a tributação pelo IRPF de lucros de controladas no exterior em algumas hipóteses, por outro lado permite à pessoa física controladora residente no Brasil agir para otimizar impactos tributários futuros, desde que o faça ainda neste ano de 2023.

Em conclusão, aos olhos do contribuinte titular de controlada localizada em paraíso fiscal ou beneficiária de regime fiscal privilegiado e/ou que não apresente renda ativa superior a 80% de sua renda total, a Medida Provisória n. 1.171/2023 veicula norma desfavorável ao eliminar a possibilidade de diferimento da tributação dos lucros desta para o momento em que distribuídos. Por outro lado, além de reduzir a carga tributária pela imposição de alíquota máxima de 22,5% em substituição à anterior de 27,5%, permite ao contribuinte organizar-se para, inclusive, reestruturar o seu investimento nesta controlada de forma a não se sujeitar ao novo regime.

Resta agora acompanhar se a Medida Provisória n. 1.171/2023 será ou não convertida em Lei e, se for o caso, agir.

Texto escrito por Mario Seixas Coelho Junior e publicado em 08/05/2023 em www.scpc.adv.br

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